Como Aguentar mais de Doze Horas em uma Viagem

De carro.

Em meus muitos anos de carteira de habilitação, até vir parar aqui, eu cheguei a guiar quase dez horas de estrada, mas como fiquei mais de cinco horas a passo de lesma devido a um enorme congestionamento quando fui para o litoral trocentos anos atrás, poderia dizer que as outras quase cinco horas foram de pisar no acelerador e descer serra abaixo (ô, pleonasmo...), mas aqui, depois que transferi a minha habilitação, tornou-se cansativo ter que pegar o carro nem que for ao mercado que fica a dez quilômetros de casa. E olha que no Brasil eu pegava vinte quilômetros de estrada sem pestanejar.

Confesso: fiquei muito acomodada porque aqui o transporte coletivo funciona bem (exceto quando acontecem acidentes e suicidas) e além disso quem pega mais o carro é o namorido. Eu dirijo, sim, mas quando se trata de pegar uma viagem sozinha, o máximo que fui foi pra Saitama e levei mais de quatro horas pra chegar. E já estava com o traseiro dormente mesmo tendo feito algumas paradas necessárias. Mas, uma das poucas vezes que pegamos uma viagem em que levamos mais de doze horas, hoje a gente pensa vinte vezes se faríamos de novo. E o primeiro que falar fator idade porque estamos na casa dos "enta", cubro de pancada.

Tínhamos um ano morando em Kanagawa (mas não em Yokohama, ainda) e naquela época, nosso carro era um Nissan Skyline ano 1996, em ótimo estado de conservação. Usávamos o carro para trabalho, passeio, compras e duas vezes por mês ir para a cidade vizinha estudar língua japonesa. Viagem mesmo, até aquele ano, no máximo Fujinomiya (Shizuoka) e olhe lá. Nem Yokohama a gente ia direito e quando a gente resolvia ir, era de trem. Um feriado prolongado que pegamos, no primeiro dia, já cumprida a missão de botar a casa em ordem, tínhamos mais cinco dias de folga pensando no quê fazer.

Sabe quando aparece uma lâmpada em cima da cabeça como nos desenhos animados? Pois é: namorido kinguio decidiu no meio da noite pegar a estrada para a Hikami. Sim, aquela cidade no meio do arrozal onde morei, cometi algumas gafes e conheci namorido kinguio. E eram pra mais de doze horas de estrada e quatro estradas expressas. Decidiu isso porque tínhamos alguns colegas do nosso antigo trabalho que moravam lá. Portanto, falta de lugar pra passar a noite, não era.

No meio da madrugada mesmo, arrumamos uma mala com nossas roupas e produtos de higiene pessoal e remédios que namorido toma, passamos num supermercado que ficava aberto 24 horas (não, não era loja de conveniência!) para comprarmos petiscos e bebidas e pegamos a estrada.

Detalhe 1: Bem que pensamos em ligar para alguns amigos nossos que lá moravam, mas ligar para alguém duas ou três horas da madrugada, além de ser falta de educação, sem noção da coisa, seria também um convite pra matar metade do pessoal de infarto e perder a amizade pelo resto da vida.

Detalhe 2: Nosso segundo carro não possuía navegador de bordo que pudesse nos orientar para que direção fosse, pelo menos na cidade de Osaka, pois em determinado trecho, teríamos que entrar no meio da metrópole. Foi a base do mapa mesmo (sim, temos o famoso mapa das estradas do Japão em inglês e de capa laranja - dependendo onde fulano deixa no carro, acaba virando limão).

Detalhe 3: Namorido foi quem dirigiu a viagem toda, com direito a inúmeras paradas nos P.A. (Parking Area) ou S.A. (Service Area) que tinham na estrada para ir ao banheiro, comprar café preto quente e neca de açúcar, tirar um cochilo e fumar (nesse caso, obra do namorido, já que eu não deixo ele fumar dentro do carro para eu não virar porquinha defumada).

O bom de viajar de madrugada é que quase não tem trânsito, mas o ruim é tomar cuidado para ninguém dar cinco segundos de cochilo. Quando acontece, paramos naqueles P.A., damos um cochilo e de volta a estrada. Sem falar de no meio do caminho dá-lhe café, alguns petiscos (leia-se: batata frita, palitos de chocolate - "Pocky" - e balas de menta extraforte) e uma caixa de CDs para ficar ouvindo no meio do caminho, porque admirar a paisagem de madrugada, só quando amanhece, o que vira uma paisagem muito bonita. O nascer do sol, ainda mais na primavera (na época que fomos) era uma visão de encher os olhos.

Claro que ninguém é de ferro, confessamos: depois que passamos por Nagoya, subindo para Shiga, o sono de duas pessoas caiu de uma forma que no primeiro P.A. que encontramos, acabamos por dormir por sei lá quantas horas, mas foi melhor assim - senão não estaria hoje contando essa saga.

Sério: nossa viagem de Minamiashigara (Kanagawa) para Hikami (Hyogo) levou dezessete horas, mas aí contamos pelo menos cerca de seis horas de ronco, paradas constantes nos P.A. para idas ao banheiro, lavar o rosto, comprar mais café e petiscos, um lanchinho rápido, namorido fumar... Conheci gente que fez isso em dez horas, mas aí com certeza deve ter feito revezamento, algo que não fizemos na ida (mas na volta, sim), porque nunca tínhamos dirigido em uma expressa, imaginem ter que pegar quatro!

Apesar de termos encontrado quase todos os nossos amigos do tempo de Hyogo (digo quase, porque alguns já tinham retornado ao Brasil e outros mudaram de cidade), termos lembrado dos bons tempos de morar no meio da montanha, termos naquelas alturas da noite (sim, chegamos quase dez da noite) jantado lamen e jogado muita conversa fiada fora, aprendemos que, dirigir em longas distâncias tem que ter mesmo um certo preparo e resistência, porque depois a volta foi mais rápida (paramos algumas vezes nos P.A. e uma pra cochilar, pois dormimos na noite anterior e seis da manhã estávamos indo embora, depois de dois dias na cidade).

Sobre fotos, naquele ano minha câmera usava ainda filme (sim, aqueles de rolo) e ainda não revelava-se para inserir no CD. E estou por enquanto sem impressora com scanner para que pudesse ter algumas de onde estivemos. A foto do post de hoje foi quando eu e namorido fomos num evento em Gifu, no novembro do ano passado e consegui fotografar do Monte Fuji na hora em que o trânsito deu uma parada. Ficou meio embaçada pois usei o zoom da câmera e estava dentro do carro...

Comments

  1. Adorei a história e me fez lembrar muito das viagens que eu fazia com o Dú... qdo conseguimos independência de sair e viajar de carro... também pegávamos a estrada de madrugada, mas sempre revezávamos... parava nos PA pra fumar (sim, naquela época era uma tortura não poder fumar dentro do carro rs)... adorei as lembranças... pena que não voltam mais... e mais, adorei a sua foto, independente da situação, ela ficou com uma cra vintage rs...

    Kisu!

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  2. Bah, revezamento entre eu e o namorido na hora de viajar so se for em caso muito extremo mesmo, porque - segundo ele - chegou a guiar da capital pra Presidente Prudente 12 horas sem parar... Hoje, so de pensar em pegar estrada pra ir até Odawara já cansa! (Isso porque fica a uma hora e meia de carro, na expressa!)
    Sobre parar em tudo o que era P.A. pra fumar, é que, depois que o namorido queimou o banco do passageiro, eu falei que se quiser fumar dirigindo, entao pára em algum lugar pra fumar.
    Desde entao, nossas viagens, que a gente calcula tres horas, pode aumentar uma hora a mais...
    PS: a foto foi tirada dentro do carro... e o vidro dianteiro NAO é 100% transparente...
    Beijao!

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  3. Oi, Alexandre: Viajar de onibus, nunca fizemos (excursao nao conto), mas se fizermos as contas, compensa ir de carro mesmo, a nao ser que seja mesmo cansativo (como ir de Yokohama-Kochi por exemplo).
    No tempo que tinhamos o outro carro, para viajarmos onde a gente nem sabia como entrar em Toquio, era na base do mapa literalmente dito! GPS era artigo de luxo em 2000. Até hoje nao sabemos como a gente nao se perdeu em Toquio, Osaka e Yokohama...
    Eh... dez anos atras a gente era mais corajoso e nem sabiamos, hoje a gente pensa dez vezes se a gente encara a madrugada pra viajar...
    Beijao e boa semana!

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  4. Quanto a viagens rodoviárias, já fiz de vários tipos, e o meu recorde foi com 12 anos, quando fiz o trajeto Rio de Janeiro/Salvador de ônibus, sem ar-condicionado, enfrentando a BR-101 e seus extremos climáticos: O frio de Minas Gerais (região de Valadares e Teofilo Otoni) e o calor do sertão baiano, 48 horas dentro de um Itapemirim. E depois de passar 1 semana visitando os parentes da Bahia, completei a viagem Salvador/Fortaleza. Mas já fiz Fortaleza/Salvador duas vezes para participar de concurso de oratória em nihongo e a caravana de karaokê da Fundação Japão. Mas nessas o ônibus já tinha ar-condicionado. E também já fui para o interior do Ceará na caçamba coberta de uma D-20. 10 horas de viagem em cima de um colchão dividindo espaço com a bagagem e os primos. E ainda farei uma viagem dessas dirigindo. Só faltam duas coisas: Carro e habilitação. :P

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  5. MP Kouhaku: no Brasil, em 1990, ao ir pro show do Paul McCartney, no Maracanã, encarei 12 horas de onibus Bauru(SP)-Rio de Janeiro, num onibus (ok, tudo bem), mas debaixo de chuva, naquela estrada naquela epoca deveras precaria e risco de acidentes na Via Dutra...
    Sem falar que, ano anterior, fui via excursao da Unesp para o campus de Ilha Solteira e toca 12 horas de onibus, numa estrada de pista unica, e super perigosa!
    Mas aqui, muita gente diz que viajar de onibus é bem mais em conta...
    Abraços!

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  6. Estou um pouco atrasado nos posts, mas vamos lá...rs...

    O máximo que dirigi foram 6 horas até Birigui/Araçatuba...Gosto do ato de dirigir mas o motorista sempre perde a oportunidade de apreciar a paisagem porque tem que se concentrar na estrada e nos outros carros (principalmente aqui que tem um monte de motorista irresponsável). Então prefiro viagens curtas...sem contar que as estradas para outros estados fora SP são muito ruins...

    Se o Brasil tivesse uma malha ferroviária semelhante à do JP eu viajaria de trem sem pensar duas vezes...(se bem que se tivesse um Skyline por aqui isto seria um belo incentivo a viajar de carro...rs...)

    Bjo,
    Carlos

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