Beatles e Japão

Madrugada do dia 29 de junho de 1966 - Os Beatles chegam no Aeroporto Internacional de Haneda.

No final de junho e inicio de julho de 1966, os Beatles fizeram uma série de apresentações no Budokan, Tóquio. Na época, deu muito no que falar. Primeiro, já estavam meio que "queimados" perante fãs e imprensa por causa da declaração de John Lennon envolvendo as palavras Beatles e Jesus Cristo. Segundo, porque eles iam fazer show no Budokan, onde foram realizados os campeonatos de judô nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964 e, o pessoal da extrema direita do país (leiam-se aqueles nacionalistas radicais) já estavam injuriados. Mesmo assim, fizeram, apesar da intensa vigilância (eles nem tiveram como pôr o nariz pra fora do hotel tamanha a vigilância que estavam para que não acontecesse nada) e cheio de seguranças.

Muita gente na época não sabia, mas 1966 era o ano em que os Beatles encerrariam as apresentações ao vivo, nos palcos e se concentrariam mais em estúdio - porque suas músicas tornaram-se difíceis de serem executadas ao vivo (naquela época). E também estavam cansados de tocar para público que mais gritava do que ouvia. Os Beatles perceberam a diferença de suas apresentações quando fizeram a turnê nipônica: quem ver os vídeos do show no Budokan, percebe-se que o público ficava mais ouvindo que gritando. E aplaudia no final de cada música.

Apresentação no famoso Nippon Budokan. Transmitido ao vivo pela TV e percebe-se a diferença do público que veio assistir e ouvir (principalmente isso) o quarteto.


Depois dessas apresentações, no Japão apareceram muitos grupos querendo parecer com os Beatles, desde o visual até tocar como eles. O que rendeu muita dor de cabeça para a sociedade local, inclusive algumas emissoras recusaram receber alguns grupos por causa do cabelo comprido e até tiveram shows que houveram incidentes. Nos anos 60, assim como nos Estados Unidos e na Europa surgiram muitos grupos de pop-rock, no Japão a coisa não foi diferente.

Um tempo atrás, fui atrás de alguns livros sobre o boom dos group sounds (ou GS), como era chamado o estilo musical dos anos 60 no Japão. Era grupo que não acabava mais, mas alguns continuam sendo lembrados até hoje, como The Tigers, The Blue Comets, The Spiders, The Wild Ones, por exemplo. Ou cantores como, por exemplo, Yuya Uchida (que escreve artigos para a Rolling Stone japonesa, no melhor estilo rock and roll). A maioria lançou um ou dois singles e depois que o fenômeno diminuiu, caiu no esquecimento (o chamado one hit wonder).

Muitos podem negar, torcer o nariz, mas é inegável que os Beatles impulsionou e inovou o pop japonês nos anos 60. Apesar que, no início dos anos 60, artistas como Takeshi Takeuchi e Yuzo Kayama já interpretavam músicas com uma "pegada" no rock - eles ficaram conhecidos como "os precursores do electric guitar" (ou "ereki"), já que eles tocavam guitarra elétrica em suas apresentações. Mas foi depois de 1966 é que o país ganhou uma diversidade de bandas.

O fotógrafo oficial do grupo entre 1965 a 1966, Robert Whitaker, acompanhou os Beatles até o término das excursões. No Tokyo Hilton Hotel (hoje Capitol Tokyu Hotel). O cantor-ator-guitarrista Yuzo Kayama foi um dos poucos artistas japoneses a visitar o grupo no hotel.

Antes dos Beatles fazerem shows no Japão, eles já eram conhecidos no arquipélago. Uma das maiores revistas especializadas em música pop, "Music Life", já dava destaque para os artistas norte-americanos e europeus. Quando o quarteto de Liverpool foi para os Estados Unidos em 1964, a revista mencionou o fenômeno Beatlemania. A editora-chefe da revista, Rumiko Hoshika foi quem conseguiu intermediar a vinda do quarteto ao Japão, tanto que ela foi para a Inglaterra diversas vezes (inclusive têm fotos dela com a banda nos estúdios) e esteve com o grupo durante a passagem deles no país.

Só que, com receio que nacionalistas radicais pudessem fazer algo de mal com a banda, tiveram que reforçar a segurança. Imaginem se acontece algo pior, além de complicar pelo lado diplomático, têm os fãs....

Daí por conta disso, muita gente começou a associar Beatles e Japão pelo lado ruim. Se mencionar sobre os cinco dias no Budokan, falam que foi ruim. E a coisa descamba quando o Paul foi pego na alfândega com a erva que passarinho não fuma.

Mas, ainda bem que, mesmo com esses altos e baixos, os álbuns dos Beatles e carreira solo são bem vendidos aqui no Japão, inclusive uma prateleira inteira é reservada para eles na maioria das livrarias e tem loja que vende goods on line (tinha a loja física, mas fechou e abre quando tiver algum evento especial). Sem falar que muito artista aqui diz ser influenciado pelos Beatles, inclusive aqueles que nem eram nascidos quando Lennon morreu.

Eu fiquei surpresa quando fui no Tokyo Dome, em novembro de 2013, no show do Paul: a maioria dos fãs eram na casa dos 30, e conheceram o grupo por causa dos pais, ou por curiosidade - ou seja, cada um tem sua história de como conheceu o grupo. E pensam que não ia lotar o Tokyo Dome? Quase 60 mil pessoas (foi possível porque o palco era no fundo e sobrou espaço na arena).

Em 2006, para comemorar os 40 anos da vinda do quarteto no Japão, foi lançado um livro de fotos, inclusive muitas delas raras, com tiragem limitada e numerada de 10 mil exemplares (na época, eu havia encomendado na loja Get Back, quando ela existia fisicamente). Agora, para os 50 anos, que acontece neste ano, houve um evento no Budokan (não tive condições de tempo - nos dois sentidos da palavra), revistas especializadas em música, na loja de departamentos PARCO abriram uma área para a loja Get Back fazer a venda de produtos e a confecção Graniph lançou uma série de camisetas com a estampa do grupo (essa empresa já fazia, apenas renovaram o estoque).

Na verdade, um tempo atrás, pensei em fazer no Empório uma pequena série sobre o quanto os Beatles influenciaram no j-pop.

Inspiração Beatles e Group Sounds na capa e PV do single do Kanjani Eito "Yellow Pansy Street": os paletós sem lapela circa 1963, as cores vivas que as bandas GS usavam e o baixo Rickenbacker modelo semelhante que McCartney usou por volta de 1967 (no PV quem toca é Ryuhei Maruyama)


Mas por que Japão??? Como eu havia mencionado antes, uma boa parte dos livros que andei lendo sobre a turnê japonesa de 1966, era um parágrafo e ainda falando (muito) mal. Mas não me entendam errado a respeito da minha intenção de fazer uma série: não é porque sou descendente de japoneses, moro quase duas décadas no arquipélago e fã do quarteto (com direito a três shows do Paul) que vou ficar defendendo. Que a turnê foi cansativa e estressante, isso todo mundo sabe. Mas o impacto que causou nos jovens daqui...

Bem, espero eu conseguir fazer a série, em postagens aleatórias e nada cronológicas. Do tipo: achou algo bem interessante, estarei fazendo postagem (com as devidas fontes, claro).


Imagens: Music Life archives; Reuters, Robert Whitaker, Kanjani Eito matome naver site.

Comments