Dúvida de Nacionalidade

Lendo um artigo no site Gaijinpot (em inglês), sobre "Estrangeiro Invisível - Memórias de uma Pessoa Japonesa mas não-Japonesa Vivendo no Japão" (tradução livre), me fez lembrar exatamente o que acontece comigo e milhares de nikkeis vivendo em sua terra natal e/ou na terra de seus antepassados. Nikkei é todo descendente de japonês que nasceu nas Américas (especialmente na América Latina, mas existem nikkeis norte-americanos).

Aí que mora o perigo: por sermos descendentes de japoneses, sempre vai ter ter gente perguntando porque raios a gente não fala fluentemente a lingua. Do tipo: não basta ter a cara e o sangue, tem que saber falar. Mas quando a gente nasce num país nadaver com o Japão, obviamente que a gente vai aprender a língua do país onde nasceu. Se vai aprender sobre a cultura japonesa, vai do interesse da pessoa + estímulo familiar. Ou se o lugar onde mora tem um número considerável de nikkeis para formar um kaikan. O mais incômodo (e eu sofri muito com isso) eram os outros pedirem para a gente falar tal palavra em japonês, queria namorar pra ver se era diferente, até pedido de casamento só  pra ir ao Japão, entre muitas coisas.

Aí você resolve tentar mudar de vida na terra dos seus antepassados. E vocês pensam que o tratamento seria melhor?! Se eu não abrir a boca, eu passo batida como japonesa, mas não é bem por aí. Não basta você ter tudo de japonês, tem que saber falar fluentemente e ter os costumes e hábitos de um nativo. E nem adianta explicar que você é estrangeiro se sua cara já denuncia tudo.

Porque quando você nem descendência tem, o pessoal ainda releva por não saber falar direito. Mas no meu caso e de muitos nikkeis, a cobrança é enorme. "MAS COMO VOCE NAO SABE FALAR JAPONES???" Sim, cansei de ouvir essa frase em meus anos aqui. Por mais que eu estude, convive mais com os japoneses, leio, assisto e ouço o que tiver em japonês, o que não tenho até agora é fluência.

E pra melhorar a situação, se no Brasil, por exemplo, os nikkeis são chamados de "japoneses", no Japão somos "estrangeiros". Isso quando não muito, já acharam que eu era mestiça pelo sotaque. Ou aqueles olhares espantados de "Nossa!!! Essa japonesa fala bem outra língua!" quando estou em algum lugar com o namorido e a gente desata, claro, a falar português, ainda mais que visualmente a gente é confundido com um morador local.

Falando em confusão, teve uma vez, logo nos meus primeiros meses no Japão, ao ir em Nagoya, dois brasileiros vieram me perguntar, tentando falar em japonês onde ficava o Consulado (eu tinha acabado de voltar do Banco do Brasil, que era perto). Tentei explicar mais ou menos em português mesmo (disse mais ou menos, porque eu não conhecia nada de Nagoya uns 20 anos atrás), e os dois ficaram espantados - "VOCÊ FALA PORTUGUÊS????????" E eu pensando "Caramba, será que eu não aparento ser brasileira?" Outra, foi no primeiro dia de aula de língua japonesa em Tóquio, num centro comunitário, em que uma coreana perguntou se eu era chinesa ou taiwanesa. Quando eu respondi que eu era nikkei brasileira, 90% da classe não acreditou (explico: eu fiz seis meses de conversação em japonês em um centro comunitário que ficava perto de Shin-Okubo, bairro coreano em Tóquio, e a maioria dos alunos era coreano). Fora ainda que, quando vou preencher alguma coisa, já me preparo para a pergunta "De que país você é?" na hora de escrever meu nome completo (sim eu tenho um nome estrangeiro que eu quase não uso).

Algum tempo depois, alguns conhecidos de outras nacionalidades, chegaram a confessar comigo que, a imagem [errada] que tinham de brasileiros, era como viam em comerciais de turismo. Mas até eu tentar explicar o motivo de terem japoneses no Brasil, a pessoa já esqueceu o começo, então eu deixo pra lá.

Mesmo porque eu acho que não me encaixo nos padrões de um brasileiro aqui no Japão - já começa que sou frequentemente confundida com uma japonesa (até eu abrir a boca e meu japonês sair com sotaque do interior paulista) porque sou neta de japoneses de ambos os lados. Frequento muito eventos em japonês, vou muito ao cinema e assisto 99% dos filmes em japonês. Shows, então, nem se fala (quem me conhece muito bem, sabe).

Mas você não gosta de coisas brasileiras????Comida é uma delas: se deixarem eu numa churrascaria, podem ter certeza que um dos pratos que adoro é feijoada. Com couve e farofa. Mandioca frita também. Pudim de leite condensado. Café made in Brazil é um dos melhores, mas como eu gosto de uma determinada marca, a gente vai bebendo o que temos. Biscoito Passatempo é o melhor omiyage que pode me dar. Ah, sim: esmalte do Brasil, especialmente o famoso top coat "roxinho" e a base niveladora.

Sei lá vocês que também passam por isso, mas eu acostumei com essas coisas, apesar que, no fundo, fico naquela crise de nacionalidade. Porém, 20 anos aqui, ao menos eu consigo fazer boa parte das coisas, sozinha, mesmo com namorido (também nikkei e sempre confundido com um nativo).

Agradecendo sempre por eu ter um lar, comida, roupa lavada, um trabalho, saúde e água limpa.

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