Facilidade em Quatro Rodas.... Ou quase

Pra dizer a verdade, antes de completar dezoito anos, nunca tive aquela vontade de tirar logo a carteira de motorista, nem pegar escondida o carro dos pais. Nem dava, pois além de ser em sociedade, era uma camioneta que, se me pegassem guiando, iriam me parar talvez não pra passar uma bronca, mas para perguntar "como consegue??". Explico: a camioneta era enorme pra uma pessoa que tem um pouco mais que metro e meio. E pra guiar precisava era de uma almofada pra ver se alcançava os pedais.

Porém, por um bom tempo guiei a tal da mobilete (ou cinquentinha) até que um belo dia, não sei no que deu no meu pai naquela época, apareceu com uma moto Honda ML125 vermelha. Daí foi que meu irmão, dois anos mais velho que eu, resolveu tirar carta de moto também, pois se pegassem meu irmão sem carta, bronca do meu pai seria pouco.

Quando tirei minha habilitação (carro e moto), passei quase seis anos guiando moto e quase nunca pegando a camioneta da família. Mesmo com meu mais de metro e meio de altura, eu achava, perdão da palavra, um saco. A tal da camioneta quem mais guiava era minha prima que tinha a mesma idade que eu, mas não era por isso que eu não guiava tanto o que realmente precisava. A dita camioneta era direção hidraúlica, e pra virar, era preciso depositar tudo o que restava de sua força pra isso. Ou fazer musculação.

Após a aposentadoria da família, meu pai, na divisão dos bens da sociedade que tinha com os meus tios (ou irmãos dele, como queiram interpretar), resolveu comprar um carrinho popular, mais conhecido como Gol 1000. Branco, porque meu pai falou que era mais em conta e ainda por cima, se conheço bem ele, deve ter chorado pacas pro vendedor da concessionária fazer desconto porque meu pai iria pagar em dinheiro vivo e à vista, só pode.

O carro era uma maravilha, mas para subir as ladeiras das ruas da cidade onde morava, se não pegasse velocidade, o carro poderia morrer na subida. E olha que não estou exagerando - tem uma rua na minha cidade que até hoje, quem eu conheço, não sobe se não acelerar. Eis a desvantagem de um carro 1.0 - na cidade até que anda legal, mas na estrada...

Tudo bem que um carro 1.0 faz cerca de 10 a 12 quilômetros com um litro de gasolina, mas na estrada, se quisesse correr a 100 por hora, o carro tremia feito vara verde que teve vezes que eu achei que o carro ia desmontar naquela hora mesmo!

Sem falar que, cidade de interior, ter um Gol 1000 e branco, corria sério risco de ser confundido com um funcionário da prefeitura. A frota da prefeitura era feita de carros Gol 1000 e Saveiros todos brancos.

Depois de quatro meses apanhando com o carro, peguei o jeito. Isso depois de não sei quantas vezes o carro morria na esquina e das freadas bruscas que quase mataram meu pai de tanto me dar bronca. Caramba, me dêem um desconto, fiquei seis anos sem pegar direito um carro que têm certas coisas que a gente esquece! No quinto mês já estava levando minha mãe para passear em uma cidade duas horas longe da nossa. E na estrada de pista única, vê se pode!

Claro que não fiquei eternamente com o mesmo carro. Logo trocamos por uma Saveiro... branca! Depois não queria que eu fosse constantemente confundida como funcionária da prefeitura. Pra quem sempre guiou um carro popular, pra quem começa a guiar um carro com motorização maior, sente a diferença. Sem falar no tamanho, pois quando comecei a me familiarizar com o carro, na hora de estacionar ou guardar o carro ( de ré ) na garagem, sempre ficava com medo de ter acertado a traseira.

Resolvi vir pro Japão cerca de nove anos atrás e senti que iria ficar sem carro e depender de trem e bicicleta. Bom, menos mal, pois me avisaram que o transporte coletivo aqui funciona direitinho. Nunca neguei, mas na hora de carregar compras, de bicicleta, pra mim sempre foi uma prova de equilíbrio e paciência. E sempre tinha um ovo quebrado.

Quando conheci o kinguio e mudamos para Kanagawa, sentimos a necessidade de novamente de ter um carro. Não só para passear, mas para fazermos compras e ir para o serviço, pois morávamos em um lugar onde tudo era longe. Tudo bem, muita gente vai falar que "moro aqui há trocentos anos e não preciso de carro", mas cada um tem seu way of life e depois de alguns anos a gente achou melhor viver aqui. Um trabalho, uma casa, um carrinho.

Só que pra tirar carteira de motorista aqui, pensam que é fácil? Vou dizer: passei somente na quarta vez. Isso porque fiz uma aula pra ver se perdia o medo de guiar nesta cidade onde as ruas são estreitas e até hoje não sei como os carros passam.

Certo, ter um carro dá despesa? E no Brasil também não dá? Quebra uma peça, vai um precinho X. Vai fazer revisão, paga sei lá quanto. E sem falar do IPVA, que dependendo da combinação modelo-ano-combustível pode levar uma boa parte do seu décimo-terceiro e também do licenciamento anual conforme o último número da sua placa (agora entendi porque meu pai preferia o final zero. O licenciamento era pago entre outubro a dezembro e poderia usar o décimo-terceiro para pagar!).

Aqui também pagamos o imposto anual, revisão bianual e eventuais trocas de peças. Sem falar do seguro, que é importante. Ter carro também precisa ter uma boa dose de responsabilidade: qualquer coisa, pode lhe custar sua eternidade.

Nosso último carro, que ficou conosco por sete anos, infelizmente nem vai ter como fazer a revisão. Pelo tempo de uso e quilometragem, melhor passar para reciclagem, do que tentar vender para alguém e correr o risco de terceiros acabarem fazendo alguma besteira que possam nos prejudicar.

Só que pra desfazer de um carro, vai dinheiro. E a gente sabe disso. E vocês acham que é fácil ter carro aqui? Comprar, andar e acabou?

Primeiro, tenha carteira de motorista, pois a gente cansou de ver notícia de gente sendo detida por guiar sem habilitação e depois tem problemas bem mais graves.

Segundo, saiba economizar, não dedicar 100% do salário no carro e não ter nem pra gasolina. Sabe aqueles doidos que sabe lá eu porque resolvem gastar fortunas e fortunas em equipar um carro pra ficar parecido com a Ferrari do Felipe Massa? Pra mim o básico tá de bom tamanho. Pelo menos um som, com CD e rádio, pois guiar sem ouvir o Masaharu... ops, uma musiquinha, principalmente na hora do pico, ninguém merece, né?

Terceiro, muita responsabilidade. Carro foi feito pra levar você para seu destino são e salvo. Nunca abusar da velocidade, nunca beber e usar cinto de segurança. Melhor demorar pra chegar, mas vivo; deixar o carro em casa e ir ao izakaya de trem ou táxi; cinto de segurança pode amarrotar sua roupa, mas evitará que você seja amarrotado da pior forma possível.

Sim, carro facilita, desde que saiba usar.

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