Caldeirão das Vaidades

Depois de quase quatro anos trabalhando como white collar em um escritório nos confins de Tóquio, aprendi muito nessas minhas idas e vindas de trem e no serviço em um escritório em que o telefone fica quente de tanto tocar e nossas orelhas idem.
Descobri que posso enganar meio mundo - no sentido mais inocente da palavra - pela minha aparência, que passo perfeitamente por uma japonesa, com direito a cabelo pintado e pele mais branca que neve... até a hora de eu abrir a boca e meu sotaque de interiorzão paulista entrar no meio. Das duas uma - ou o pessoal acha que sou japonesa poliglota e acabou esquecendo meio o japonês ou acha que sou filha de japoneses nascida em qualquer lugar do mundo, mas menos o Brasil (sim, tem gente que quando pergunta de onde eu sou, não acredita que eu sou nikkei brasileira...).
Descobri que existem mil possibilidades de conseguir pegar um trem para seu serviço quando sua rota está atrasada - perdi a conta de quantas vezes tive que fazer baldeação em trocentas estações sem ter que pagar a diferença devido a um acidente ou atraso. E consegue uma desculpa bem convincente para seu chefe por chegar atrasado, pois quando se sai da estação, os funcionários entregam um papelzinho informando que determinada linha estava interrompida, por isso atrasou, bla bla bla. Caso mais recente disso, foi mês passado, quando marcaram reunião geral às dez da matina e 90% do pessoal chegou uma hora atrasado...
As vantagens de ser mulher é que determinadas linhas de trem ( exemplos: Toyoko, Saikyo e metrô de Yokohama ), no horário da manhã e da noite, dois vagões são exclusivamente para mulheres. Pode não solucionar 100% do problema que é o assédio sexual (mais conhecido como ficar passando a mão em nossos lugares salientes e ficar espiando nossas intimidades de formas que até Indiana Jones, James Bond e MacGyver ficariam roendo os canivetes de inveja )mas que a gente consegue ir numa boa, isso consegue!
Tirando os cupons de desconto em lentes de contato descartáveis, salões de beleza, cabelereiro e até McDonald's com precinho mais em conta, perdi a conta de quantas vezes já peguei esses cupons, bem como amostrinhas de cosméticos, papel para tirar a oleosidade do rosto (aburatori) e lencinhos de papel. Tá, eles não resolvem muito quando se tem ataques de kafunshoo, mas na hora de retocar a maquiagem ou ir ao banheiro....
O lado meio negro de se trabalhar em um lugar chamado escritório, vamos dizer que é igual a qualquer lugar neste mundo, tirando trabalho em casa. As panelinhas. Chamo isso mais de fogueira das vaidades ou intrigas de oposição. Digo isso, pois como tenho mais de anos de casa, vejo gente entrar e sair, e sair também cada arranca-rabo que até eu ficaria envergonhada em ver gente que se dizer ter educação... Se bem que tem horas que realmente a gente perde as estribeiras, eu também já perdi as minhas em certas ocasiões.
Trabalho em um departamento que muita gente daria até a sogra para trabalhar lá. Tudo porque nosso serviço se resume em ligar e atender e negociar as divídas. E procurar devedor também faz parte do serviço. Mas não é fácil lidar com essa gente, tem que ter muita conversa mole e paciência, pois tem neguinho que liga com um caminhão de pedras na mão, se é que sentiram o drama. Quando é mulher então...
Daí tem gente da oposição que se não contenta e fazem de tudo pra "melar" nosso trabalho. Como fica tudo registrado, fica fácil encontrar o responsável. Daí chega dia de reunião mensal, sai aquela troca de gentilezas que fico horrorizada...
Tem gente que sei que fala mal da gente pelas costas. Fácil né? Eu já sou um pouco mais sutil: já digo - "ê laiá, tem gente que esquece disso e daquilo e depois a gente que se matar pra consertar".
Sem falar das panelinhas. Teve uma vez que nosso departamento resolveu comer fora num sábado, convidamos o outro departamento. Que recusasse o convite, ainda tudo bem, pior foi falar que não iria porque não gosta da gente. Bom, ao menos foi sincero. Em contrapartida, teve uma vez que o outro departamento fez um jantar e não chamaram a gente. Ficamos sabendo no dia seguinte.
Depois quando a gente faz nossa reuniãozinha na casa ou num izakaya legal, reclamam...
Como diriam, ninguém está contente com nada. Mas teriam que dar graças por estar longe de serviço monótono de fábrica.

Comments