Experiências Adquiridas e Tenho Muito a Aprender


Embora eu tenha duas décadas e um pouquinho morando aqui no Japão, tenho muito a aprender ainda. Acredito eu que, assim como muita gente que resolve mudar de vida no exterior, mesmo vivendo muito mais tempo do que na sua terra natal, sempre aprendemos algo novo a cada dia. Desde a língua local até coisas que nunca tinha feito antes na sua vida. 

Existem coisas que aprendi morando um tempo sozinha, e mesmo dividindo quase tudo com o namorido há duas décadas, temos algumas surpresas cotidianas. E olha que nem falo de ambiente de trabalho (porque lá também a gente acaba aprendendo algumas coisas completamente diferentes do que a gente estaria acostumada e nem sei se levo em consideração de algumas coisas serem da cultura local ou que muitas vezes a ficha demora a cair).

Gafes todos nós cometemos. Se até mesmo os nativos cometem, imaginem os estrangeiros. Mas como dizem, é errando que a gente aprende a não cometer a mesma besteira de novo. Sei...

Algumas pessoas me perguntaram como consigo assistir aos programas locais sem legenda, ler revistas e conseguir comprar ingresso de cinema. Bem, já começa que a primeira cidade que vim parar aqui, dava para contar o número de brasileiros em todos os dedos das mãos. E a cidade era três ou quatro vezes menor que a minha cidade natal, onde o comércio fechava cedo e o trem semi-local passava a cada meia hora. 

Eu tinha uma certa noção da língua japonesa (graças aos três anos de estudo na associação), ao menos ler hiragana e katakana eu sabia. O duro era kanji e se fossem aqueles que nem tinha estudado no nível intermediário...

1. Nem todo molho vermelho é de tomate. Logo no terceiro mês, as vizinhas do prédio me convidaram para comer um lamen num estabelecimento que depois fui saber que era de uma famosa rede de lamen no Japão. Estava correndo tudo bem até chegar o menu - tudo em kanji e nada de tradução em inglês. Ou seja, era ver a foto, escolher e seja lá o que meu estômago quiser.

Eu vi justamente um que tinha o molho vermelho. Pensei que fosse lamen de tomate. E que tomate estivesse escrito em kanji. No que fui comer a primeira porção...

Era lamen com molho de pimenta vermelha e kimchi! Togarashi para ser mais exata. E tive que comer tudo porque era desperdício, e mesmo bebendo quase um litro de cerveja gelada e duas jarras de água que eles serviam de cortesia, aquele ardor não passava.

Foi a partir desse incidente que decidi aprender mais a língua japonesa para não passar mais vexame na hora de pedir qualquer coisa. Claro que ainda tem algumas coisas que custo a entender, mas pelo menos consigo ir para qualquer lugar (diferente de 22 anos atrás que nem conseguia pegar um trem com medo de me perder porque romaji não tinha chegado no interior naquela época).

2. Superando o medo de pegar o trem na direção errada ou descer na estação errada. Sei que seria besteira, mas no Brasil eu quase não andava de trem ou metrô. Antes que pensem errado, eu morava no interior e raramente ia para a capital, e quando ia, era para ficar dois dias e olhe lá. Portanto, eu quase nem explorei direito o metrô de São Paulo (e mesmo tendo voltado duas vezes, andei muito pouco). E quando fui parar no interior de Hyogo, piorou. Muito embora eu morasse bem perto da estação, raramente pegava o trem para conhecer outras cidades. Em um ano, dava para contar nos dedos quantas vezes eu fui para Osaka. Motivo bem besta: morria de medo de me perder e não saber voltar pra casa, e ainda por cima perder o dinheiro da passagem.

Esse medo foi superado quando conheci o namorido e mudamo-nos para Kanagawa. Quase todo final de semana íamos de trem para outras cidades como Odawara, Hadano, Hiratsuka, Machida e Tóquio. Em questão de meses, eu já estava indo de trem sozinha para outros lugares. E olha que nem toda estação tinha placa em romaji. Isso foi melhorado na Copa do Mundo de 2002.

Felizmente, com a evolução da internet e celulares, o risco de se perder é menor.

3. Cozinhar sem levar a casa pros ares. Podem rir a vontade, mas foi isso que aconteceu no momento que vim parar sozinha. Apesar que eu já cozinhava muita coisa enquanto estava morando com meus pais, uma das coisas que eu tinha pavor e tive que superar esse trauma, era... cozinhar em uma panela de pressão.

Desde criança eu tinha medo que um dia a panela estourasse e poderia nos matar. E o trauma se consolidou quando uma conhecida de minha mãe foi parar no hospital com queimaduras no rosto porque a dita panela explodiu na cozinha. A mulher sobreviveu, mas por meses ela vinha em casa com o rosto todo enfaixado. 

Toda vez que minha mãe usava a panela de pressão, eu rezava para que não acontecesse algum acidente. No que resultou que, até meus 27 anos eu não sabia cozinhar feijão. E só fui superar esse trauma quando mudamos para Kanagawa e imaginem duas pessoas que faziam um bom tempo que não comiam feijão. Pois é, se estou aqui hoje digitando, sinal que todo mundo saiu incólume até no preparo de feijoada. Sim, aprendi a fazer a iguaria aqui.

4. Não depender dos outros para assuntos pessoais. Certo que nos primeiros anos a gente dependia da empresa terceirizada para resolver algumas coisas, como renovar o visto de permanência e assuntos da prefeitura. Mas quando mudei de emprego e fui contratada diretamente pela empresa, eu tive que fazer tudo sozinha - atualizar endereço na prefeitura, registrar estacionamento do carro na delegacia e renovar visto de permanência. No que a gente acha que seria trabalhoso e complicado (a primeira vez a gente entra em desespero, mas depois passa), depois acostuma. Hoje praticamente consigo fazer tudo sozinha - renovar o visto de permanência, pedir documentos na prefeitura, pedir renovação da vistoria bi-anual do carro. Só uma coisa que me incomoda é na hora de procurar um apartamento que a maioria das imobiliárias pedem um fiador.

5. "Se vira, você não é quadrado". Embora nos tempos de TCC eu ouvia direto essa frase que me doía até o fundo da alma, porque eu tinha que literalmente me virar para fazer o TCC em uma linguagem de programação que mal tinha entrado no mercado, e era uma versão de uma outra linguagem que tínhamos aprendido mais ou menos. E tínhamos que nos virar nos trinta para aprender a linguagem em três livros. Ou seja, a gente tinha que correr atrás de tudo. Aqui foi a mesma coisa, ainda mais que vim sozinha e o pessoal me ajudou só no básico...

6. Cinema, Concertos e Eventos. Para quem ia toda semana ao cinema no Brasil, mesmo tendo que encarar 20 minutos de carro para ir na outra cidade, vim parar aqui e nem tinha noção de nada. Passei muito tempo assistindo a DVDs alugados nos finais de semana para suprir a falta de ir ao cinema ver o filme na tela grande acompanhado de pipoca. Fui aprender a como comprar ingresso depois de muitos anos. Mesma coisa foi ir em concertos e eventos. Talvez eu faça uma postagem sobre como consegui ir ao cinema, concertos e eventos aqui.

Tenho mais coisas que aprendi e encarei mesmo arriscando a apanhar na saída, mas como aqui e em qualquer lugar fora de sua casa, estamos aprendendo coisas novas todos os dias, mesmo sendo surpresas agradáveis ou não.

Foto: da autora, em 2010, no Bayside Marina Yokohama.

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