Quando a culpa não é completamente nossa



Talvez eu nunca havia comentado, ou se o fiz, foi meio por cima.

Em meados de 2015, por recomendação de uma amiga minha quando ela morava em Tóquio e eu em Kisarazu (Chiba), matriculei-me para um curso de três meses de Língua Japonesa voltada para a área de negócios, na Sophia University, ou seja, ia ter que aprender linguagem formal.

Naquela época, minhas folgas eram aleatórias, ou seja, folgava um dia da semana e o domingo que era obrigatório. Sendo que eu consegui negociar com o líder para que me deixasse, por três meses, folgar um dia de semana fixo, explicando que eu estava fazendo um curso e mesmo se eu saísse às cinco e meia e fosse direto para Tóquio, eu não iria conseguir chegar no horário por causa do horário mesmo.

Até o primeiro mês, consegui acompanhar normalmente. Keigo, teinen, sonkeigo, tem muita diferença entre eles, onde, como e para quem usar as palavras. Fora que a turma era pequena, aceitavam no máximo cinco pessoas. Ia ser fácil levar o curso até o fim, numa boa.

Ledo engano.

Até então, eu sempre fiz aulas de qualquer curso com número bem limitado de pessoas, com a justificativa de serem mais fáceis de interagir, e nunca tive problemas (tanto que, quando eu fiz o curso preparatório para JLPT pela primeira vez, éramos três alunos e o professor, e consegui boa pontuação), mas no de Business Japanese, mesmo sendo em cinco pessoas, não foi como esperado.

Sabe aqueles alunos que gostam de interromper a aula para falar de coisas aleatórias, falar do emprego que possui e o cargo que exerce? Pois é... A aula de três horas, duas eram ocupadas pelo falatório dos caras que se vangloriavam de estar aqui e trabalhando num cargo tal. 

Mesmo se eu tivesse "cargo de suma importância", engoliria meu orgulho e aprenderia como usar os termos honoríficos em qualquer lugar. Lembrando que eu também cheguei a ser uma aluna que às vezes interrompia para falar de algo aleatório [porque tinha aula que realmente era um porre], mas no curso, os caras eram piores ainda.

Pensei seriamente em refazer o curso, do zero mesmo, desde que fosse outra turma. Nem que eu fosse sozinha, eu e a professora, mas ao menos todas as minhas dúvidas seriam sanadas de forma mais fácil. Na época em que abriram novas turmas, eis que aconteceu um fato que me deixou muito decepcionada.

Fui chamada no escritório que havia me contratado para conversar. Confesso que eu já esperava o pior, então eu fui psicologicamente preparada. Mas não foi bem assim.

O pessoal tinha recebido reclamação de uma dezena de pessoas do motivo de eu ter pedido folga somente em um dia específico da semana. Eu expliquei os motivos, tinha até comprovante de que eu ia toda semana na universidade para - tentar - fazer o curso. Como os staffs deram preferência para elas - eram todas mulheres e estrangeiras -, acabei por não fazer o curso, pelo menos naquele semestre. Mas deixei claro para eles que, se abrirem novas turmas, eu me matricularia e afinal, quem estava pagando o curso e os custos era eu mesma.

Pior que no semestre seguinte, a empresa cortou todo mundo da empreiteira onde eu estava. As mulheres encrenqueiras foram demitidas e nenhuma outra empreiteira queria contratá-las porque sabiam do histórico delas dentro da empresa. Eu e namorido fomos transferidos, continuando com o mesmo contrato, embora outra empreiteira queria-nos se não fosse o porém de não terem vagas naquele momento.

Depois dessa experiência nada agradável, decidi continuar a fazer meus cursos não importando se vão me demitir ou não. Para evitar maiores transtornos, passei a fazer os cursos nos finais de semana, especialmente aos domingos. Não achei ainda um curso de Business Japanese, mas voltei a fazer cursos para melhorar o vocabulário e gramática, e pelo menos garanti o N3 na proeficiência.

Volta e meia aparecem algumas postagens sobre o pessoal que mora aqui e continua no marasmo, que deveriam fazer isso ou aquilo, etc. Verdade que muita gente aqui perde o ânimo de querer se aperfeiçoar e sair do lugar-comum. Eu ainda estou batalhando para melhorar não somente no profissional, mas como pessoa. 

Se eu conseguir ser menos procrastinadora e mais ativa, já é um avanço, pelo menos para mim, internamente. Vivo falando isso, é fato, mas eu tenho muito a aprender ainda.

Gostaria que as pessoas que nos julgam por sermos desanimados e sem perspectiva de melhorar em tudo, saibam os reais motivos que nos levam muitas vezes a parar no meio e tentar encontrar forças e coragem para começar tudo de novo. Nem sempre a culpa é 100% nossa. Que perguntem para nós o real motivo e não por achismo. Pode ser por experiências vividas e presenciadas, mas existem situações que nós não gostamos de expôr, seja por vergonha ou por medo de ser julgado ou motivos financeiros. Porque falta de vontade, isso não é.

Nessa pandemia aumentaram os cursos on line e existem pessoas que estão estudando por conta própria, com o material que possui e fazendo uso de vídeos explicativos. Até mesmo fazer pão caseiro. Aprendendo alguma língua estrangeira através de filmes e doramas, lendo livros e artigos, mesmo sendo via e-books. Ou ouvindo podcasts

Posso ter uma parcela de culpa nisso tudo, que eu deveria ter largado o emprego e cuidar da minha vida, mas fazer isso da noite pro dia sei que vai me dar muitas dores de cabeça e fazer as coisas sem planejamento nem reserva, isso não funciona. Mas a outra parte também tem culpa e não assumiram, até o dia que a bomba explodiu e reconhecer o erro foi tarde demais.

Atualmente estou me esforçando para melhorar não somente profissionalmente (quero sair logo dessa vida) mas como pessoa. Posso ser muitas vezes relapsa ou apática, mas existem situações em que eu prefiro não interferir, mas isso não significa que estaria ignorando, muito pelo contrário. 

Muitas vezes não gosto de expôr, nem por medo de ser julgada, mas porque existem opiniões que cabem somente a mim, eu mesma julgar. Se bem que têm horas que dá vontade de falar poucas e boas, ah, isso dá.

Então, antes dessas pessoas nos julgarem, tentem saber os motivos. Se vai nos ajudar, aí vai de cada um. Se a gente vai concordar ou não, também. Ao menos tentem, da mesma forma que a gente também tenta fazer algo. Se não deu certo, ao menos fez, e da próxima vez, não cair no mesmo erro.

Imagem: da autora. O livro de Business Japanese for Beginners to Intermediate Level que eu usava no curso para o primeiro módulo.

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