Fora dos Padrões? Sou Completamente Normal!

Kissei Bunka Hall, Matsumoto-shi Nagano.


Quem me conhece há muito tempo, nem fica mais espantado com meu estilo tido como nada convencional para os mais puristas. Ninguém aí leu errado. Porque os mais puristas, acham que dekasegi tem que levar a vida aqui na rotina casa-trabalho-casa. Tirar final de semana (e até mesmo no meio da semana) para ir ao cinema, concertos, ir pra bem longe onde ninguém nunca ouviu falar, é algo que chega a ser uma aberração para essas pessoas.

E eu cheguei na época onde as kogyaru dominavam o pedaço e eram pessoas nada bem vistas para a sociedade em geral. E aí temos a Miyakenko...

Logo que cheguei aqui, uns 23 anos atrás, realmente eu era uma alminha semiperdida numa cidade onde de um lado era plantação de arroz e do outro eram as montanhas. Onde tudo fechava oito horas da noite e o trem que ia para a "cidade grande" passava a cada meia hora. E como eu entendia muito pouco, eu quase não conheci os arredores como eu deveria. Só tomei vergonha na cara depois do episódio do "lamen de molho de tomate". 

Existem muitas coisas que eu faço até hoje e não tenho vergonha de assumir, mas que até hoje muitos dekasegi puristas ficam literalmente de cabelos em pé. Vou citar alguns para terem uma idéia (se bem que muita gente já sabe que eu faço mesmo).

"Kinou Nani Tabeta?" e "Mogura no Uta Final", dois filmes que comprei o ingresso antecipado e foi diversão garantida.

Assisto muito filme, quase todos japoneses: Quando eu estava no Brasil, eu ia ao cinema muito pouco, porque onde eu morava nem tinha mais e se eu quisesse ir, teria que ir na cidade ao lado. E nem lançamento era. Com o advento das locadoras, eu locava todos os finais de semana e assistia cerca de seis filmes.

Quando vim parar aqui, embora tivesse locadora na cidade onde morei, eu locava mais CDs. Ir ao cinema mesmo, fui começar a ir depois de seis anos morando aqui, e o primeiro filme que assisti fui com um pessoal do trabalho, e confesso que não gostei. Acho que filme japonês eu comecei a assistir foi na TV mesmo, e não lembro qual foi, mas a partir daí eu viciei em assistir não somente filmes mas j-doramas.

Tirando a época em que ficamos de quarentena e estado de emergência, quase todos os meses eu estava indo ao cinema, usando desconto de membro, dias mais baratos e cupom de ingresso gratuito de aplicativo. E olha que eu já assisti cada filme que era um desastre...

Como eu diria: eu pago o prime para quê, certo? Quando tive um ano de assinatura gratuita, eu aproveitei no que deu.

"Kamisama mou sukoshi Dake", primeiro j-dorama que assisti e foi a partir daí meu vício em assistir aumenta a cada mais.

Só assisto j-dorama (aka novela japonesa): Logo que cheguei aqui, tive meu contato com o j-drama - estava sendo transmitido o j-dorama "Kamisama mou sukoshi dake", e apesar de eu ter pego do meio pro fim, logo que saiu em DVD, fui correndo alugar e assistir tudo de novo para entender a trama. Daí por diante, foi ladeira abaixo, porque onde eu morava, as meninas com quem eu dividia o apartamento, só assistiam programas japoneses.

Um dos motivos maiores de eu ter aprendido mais a língua japonesa foi assistindo muito j-dorama e programas de variedades, porque, como eu disse antes, onde eu morava, tudo fechava mais cedo e lugar pra se divertir era quase zero.

E como muitos dizem "gosto não se discute", porque eu só assisto programação japonesa desde que vim parar aqui. Nem série do estrangeiro eu assisto. Felizmente conheci mais gente viciada nos doramas japoneses, que assiste tudo o que vier pela frente mesmo que o enredo seja uma droga.

Só do Masaharu Fukuyama, devo ter ido mais de 10 vezes, contando os concertos normais, os eventos exclusivos e o de inverno...

Perdi a conta de quantos concertos eu já fui: E quase todos dos mesmos artistas. 

Acho que descontei tudo o que não fui no Brasil (eu fui somente no do Paul McCartney em 1990, com muito esforço), porque aqui eu perdi as contas de quantos concertos eu já fui desde 2006. Certo que boa parte eu consegui ir com a ajuda de minhas amigas, porque a maioria tem que ter muita sorte, já que é sorteio e tem que pertencer ao fã-clube do artista. Se não for do FC, alguns são disponibilizados nos sites oficiais de venda de ingressos, como Lawson Ticket, e-plus, etc.

Com a pandemia, muitos aderiram aos eventos on-line, onde todos tiveram o direito de poder assistir seu ídolo fazendo performance via internet. Mesmo com a liberação, muitos continuaram a fazer on line, ou em tempo real via internet.

Tirando uns três ou quatro que consegui assistir via internet, porque não precisava ser do FC para poder assistir, a maioria foi in loco mesmo. 

Os puristas chegaram a dizer que "ir em shows é perda de tempo e dinheiro", "pagar uma fortuna só por duas horas de show??", mas é uma forma da gente esquecer por algumas horas que temos problemas do cotidiano, e se divertir, oras.


Leio muito mangá (e doujinshi também): Mangá eu já lia desde o Brasil quando eu ainda estava no primário, por causa dos meus avós que tinham alguns exemplares bem antigos do "Shounen Manga". A coisa só piorou quando eu entrei na faculdade e tive muito mais contato com os estagiários da Tenrikyo, que vinham aprender a lingua portuguesa na UNESP, e às vezes emprestavam alguns para a gente ler. Quando foi o boom dos Cavaleiros do Zodíaco e Sailor Moon, aí que muitas importadoras da Liberdade começaram a trazer muito mais. Naquela época, meu irmão mais velho já morava na capital e todos os meses ele trazia metade da mala para que eu lesse. Foi aí que conheci o universo CLAMP ("Guerreiras Mágicas de Rayearth" continua sendo meu favorito) e da Rumiko Takahashi ("Ranma 1/2"), mas nunca tive paciência pra ler "Dragon Ball".

Nem preciso me estender o que aconteceu quando vim parar aqui - resultou numa metade de uma estante só de tankobon de vários títulos, e pior que vai aumentando, já que tenho uns cinco títulos que estão em andamento e só Deus sabe quando vão terminar.

Eu disse doujinshi? Pra quem não sabe, seriam os chamados "fanzines", feitos de forma amadora, ou por hobby e garantir alguns trocos para cobrir as despesas do trabalho, ou para ver se alguma editora de renome contrata (tem muitas doujinshika que acabaram se profissionalizando). Mas como a maioria desses volumes possui teor entre a paródia e picante, esses eventos são restritos, e quem manja do babado sabe as datas e locais, se bem que a internet e redes sociais ajudam na divulgação, mas o pessoal que vai raramente fica postando, porque como a maioria das doujinshika fazem paródia de muito personagem e personalidade conhecida, tem aquela coisa chamada direitos autorais, mas como ficam na zona cinzenta, muita gente faz vista grossa.


Eu mesma frequentava muito esses eventos, perdi a conta mesmo, porque não bastavam somente ir nos mais conhecidos pelo povo, como Comic City e Comic Market, eu tinha que ir nos restritos, que eu ficava sabendo através dos eventos maiores. E quem frequenta esses lugares, nem precisa ser muito otaku, não (eu mesma não sou otaku hardcore). Quem menos você pensa, tá indo nesses eventos.

E aí veio essa maldita pandemia, e já batem uns dois anos que nem estou indo nesses lugares. Mesmo porque eu preciso me programar e me preparar para ir com antecedência, pois a maioria desses eventos fica em Tóquio, e quando vou, nem dá tempo para encontrar com outras pessoas, porque acabou o evento, tenho que pegar o ônibus para Nagoya (depois eu fico reclamando que o pessoal nem me chama pra mais nada...)

Wanna take you, baby, take me higher...

Sim, minha playlist é 90% de j-pop: Mas os outros 10% são de artistas internacionais que ouço desde minha adolescência. Quem pegar meu celular e ver a playlist de música, vai ficar horrorizado, porque só tem música japonesa e a maioria são da rapaziada dos Johnny's (a maioria ainda não tem no Spotify por motivos de alguns grupos terem membros de menos e tem aquele lance de que os ex-membros podem não querer mais ser associados com a ex-banda, coisa assim, por isso que, por exemplo, o KAT-TUN tem música no Spotify, apple music e outros aplicativos a partir de "ROAR", lançado em 2021. Se for antes, pode dar problema com os ex-membros).

Quem anda comigo no carro, vai se preparando porque só vai ter música de j-pop, aka Johnny's no som. Isso quando não acontece de eu acabar cantando junto, o que seria normal pra qualquer um. (Teve uma vez que a empresa pediu para que eu levasse uma funcionária para a estação porque não tinha como voltar. O percurso durava pelo menos cinco músicas, e deixo no aleatório. No dia seguinte, ela foi reclamar no escritório dizendo que nunca mais voltaria comigo por causa do meu gosto musical...)

Apesar de eu ter dois aplicativos de música instalados no meu celular, eu ainda tenho a coragem de comprar o CD físico, por causa das letras, encartes, e aquela história de que eu gosto de ter o formato físico. Isso vale para DVDs, mangas e revistas (não costumo ler no digital, a não ser que não encontre o formato físico, a mesma coisa ocorre com música, porque a maioria não encontra mais no formato físico, ainda bem que tem o Spotify e o Docomo Hits).



Mas nada de comida brasileira??? Quem disse que eu não como comida brasileira, tirem essa idéia da cabeça, porque eu adoro uma boa feijoada, um churrasco gaúcho, doces como manjar e quindim, e café se for made in Brazil melhor ainda, porque é forte e encorpado. Claro que comida brasileira não se restringe apenas ao churrasco e feijoada, porque se tiver algum lugar que sirva comida regional, como comida mineira por exemplo, estou indo.

Uma das coisas que eu também gosto, mas tenho que levar sorte quando for a época, é mandioca. Mas às vezes encontro couve-manteiga, igual a do Brasil (se encontrar couve crespa, dá pra quebrar o galho também).

Quanto aos doces, a gente consegue se virar fazendo bolo de fubá, queijadinha, pão de ló com os ingredientes daqui. Pão de queijo também a gente encontra na maioria dos mercados, inclusive dá pra fazer em casa, basta achar polvilho. O meu problema com os doces do Brasil é que, como acostumei com os doces japoneses não serem tão doces assim, não consigo comer nem a metade. Quando passei as férias no Brasil, até o bolo que minha mãe fazia, eu comia metade e a outra tinha que deixar para bem mais tarde (porque o açucar usado no Brasil é de cana e é doce pra caramba. O mais estranho era que, eu cheguei a usar o açucar de Okinawa, que também é de cana aka satokibi, e não achei que fosse tão doce assim!)

Claro que existem mais itens na lista, como vestuário, cosméticos e viagens, mas se fosse listar tudo, o post iria ficar muito extenso e ninguém vai ter paciência para ler, mas é uma pequena amostra de como muitos dekasegi puristas chegam a ficar tremendamente horrorizados quando eu e algumas alminhas semiperdidas comentamos de concertos, eventos, filmes e mangás, sem falar de que frequentamos cursos de culinária em japonês mesmo, cursos diversos e diversas idas no café da sereia.

Imagens: da autora, exceto Miyakenko, do programa Gakkou e Ikou, banner do Fuyu no Daikanshasai que foi do site oficial, e do álbum Very 6 Best, que é do site da avex.



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