A queda é dolorida, mas levantemos e seguimos

Do que adianta eu ter uma prateleira forrada de livros para estudar e consultar, se não sirvo pra fazer entrevista de emprego decente?

Se tem uma coisa que volta e meia eu fico frustrada, mas depois eu tenho maior ânimo, é minha proeficiência em língua japonesa. 

Calma que eu vou tentar explicar.

Para quem é 100% descendência japonesa e morando um quarto de século no Japão, eu teria era ter fluência tanto na escrita como falada, mas vivo falhando miseravelmente em muita coisa, até na hora de trocar idéias com nativos em coisas mais simples, imaginem quando vou na prefeitura...

Ok, eu até que consigo me virar, pelo menos eu acho que o pessoal entende.

Um dos motivos pelos quais eu tenho problemas em aprender decentemente a língua japonesa, vem desde que nasci em uma cidade onde a quantidade de famílias de descendentes de japoneses dava para se contar nos dedos, não morei com meus avós por causa da distância, e raramente meus pais falavam a língua. Isso somado com a época que eu nasci, e também meus pais viveram na pós-guerra, onde falar a língua estrangeira era proíbida sob risco de ir parar na cadeia, pra dizer pouco.

E pra completar, qualquer palavra diferente da nossa língua portuguesa, era motivo de piada na escola, o que traumatiza muita gente. E mais algumas coisas que nem gosto de lembrar. E o pouco que aprendi em casa, eram apenas palavras básicas e necessárias para usar quando eu fosse na casa dos parentes que mal sabiam falar o português direito.

Quando entrei na faculdade, por intermédio de outra nikkei que estudava em outro departamento (eu estudava Computação e ela, Relações Públicas), comecei a frequentar aulas de língua japonesa em um clube e também conheci intercambistas que vieram da província de Nara e quase todos os finais de semana trocávamos idéias no departamento da faculdade.

Peguei firme e forte na língua japonesa quando vim parar aqui mesmo, como já contei, inclusive foi necessário um lamen de pimenta para eu criar vergonha na cara e me virar sozinha. Se bem que eu vim parar aqui sozinha mesmo...

Pois bem, tanto tempo morando aqui, era para eu ter o bendito N1 em proeficiência em língua japonesa, falando fluente, traduzindo rapidinho as coisas e estar em um emprego mil vezes melhor, talvez em uma multinacional, quem sabe. É, nada sai conforme o planejado.

- Para eu continuar estudando a língua japonesa em algum curso de idiomas, além da mensalidade ser quase o meu salário, os dias e horários são inviáveis para mim e raramente tem aos finais de semana. Ou seja, quem for bolsista ou ter emprego em horários flexíveis e depender de família.

- Estudei em cursos ministrados por voluntários da prefeitura das cidades onde morei. Ao menos, levei muita sorte, porque os professores que eu tive, já tinham experiência e também trabalhavam com estrangeiros. O lado ruim foi quando eu já estava em nível intermediário e não encontrei lugar onde tinham classes para esse nível - era básico para estrangeiros que nem sabiam dizer bom dia.

- Quando trabalhei em Tóquio, conseguia fazer as aulas no período da manhã, já que eu entrava depois do meio-dia. Pelo menos consegui fazer isso por quatro anos, mas o curso fechou e novamente só tinham classes para curso básico. 

- Estudei por conta própria, usando apostilas de cursos on line e livros de gramática e vocabulário, e consegui passar no N3 depois de trocentos anos. Tive que apelar para o que eu tinha, incluindo assistir doramas com legenda em japonês e filmes SEM LEGENDA como forma de aprender ouvindo. Isso inclui programas de rádio de meus ídolos favoritos.

Aí você vai procurar emprego em algum escritório que contratam estrangeiros, só leva inori mail, isso quando o entrevistador não joga na tua cara que você não é apta para o cargo. Meus oito anos e meio de experiência em escritório serviram pra quê, afinal???

Não que eu esteja num lugar ruim hoje, muito pelo contrário. Tirando uma coisa ou outra, estou bem, ao menos estou tendo muito mais tempo e ânimo para fazer o que eu não estava conseguindo fazer antes, mas como dizia uma amiga minha, às vezes é um desperdício eu estar fazendo conferência de peças sendo que eu teria muito mais para oferecer. Mas se soubesse o quanto eu procurei e só levei não na cara...

Como disse, eu consigo me virar bem aqui com o pouco que sei de língua japonesa, mas o que muitas vezes me deixa frustrada (e até com o orgulho ferido, sei que é besteira na minha cabeça), é ver gente que se vangloria demais em ser fluente na língua japonesa, ao ponto de conseguir traduzir e legendar doramas só ouvindo, sendo que nada sabe sobre a cultura, não conviveu na comunidade, só aprendeu através de animes e sonha em casar com um japonês e vir parar aqui.

Besteira de minha parte? Interpretem como quiser. Mas na minha atual situação, era para eu poder ao menos me voluntariar em algum fansub e ajudar em algumas traduções, nem que seja para ser em off para alguma trivia, sei lá. Mas não faço isso por completa insegurança e também eu teria que ter tempo, o que às vezes não consigo administrar.

Isso porque tenho DOIS blogs para cuidar além de uma conta que divido administração com outra amiga minha sobre doramas e entretenimento japonês, o que muitas vezes eu demoro para postar porque eu preciso traduzir pra não postar besteira. O mesmo serve neste lugar aqui.

Senão vira aquela famosa gafe no English Cooking sobre os ovos cozidos.

É um paradoxo dos infernos isso. Ao mesmo tempo que eu consigo sair sozinha e fazer praticamente tudo (desde resolver pepinos na prefeitura até imigração), eu fico completamente perdida se pedirem para eu traduzir alguma coisa (por isso que nunca cobrei, e se insistissem em pagar, então que fosse um café lá na sereia). Não sei como nunca confundi leite com iogurte, sal com açúcar e vice-versa.

Mas vamos lá, não posso me deixar abater com essas coisas, tenho mais é que criar vergonha na cara, deixar de pantomima, pegar os livros e estudar mais, me esforçar mais, e procurar mais alternativas em aprender, não importa se vou demorar, mas não posso dizer que nunca tentei.

Imagens: da autora e caption do programa King&Princeru do quadro English Cooking.

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