Nóis nos Isteites

Ou: Como é que nós viemos parar aqui!

Janeiro de 1964, no hotel de Paris. Um frio de rachar pedra e nada de um solzinho. Imagine quatro rapazes vindo da fria Inglaterra pararem no país vizinho, onde parece que o povo raramente toma banho e disfarça a catinga com litros de perfume. O sonho deles verem a Brigitte foi neblina abaixo e ninguém veio torrar a paciência deles. Melhor, daria pra tomar uma coca-cola tranquilamente e escolher cartões postais para eventuais emergências.
Pois é, John, Paul, George e Ringo resolveram fazer alguns shows no Olympia de Paris, sem antes tentar ver a ídala de adolescência e objeto constante nos sonhos de muito marmanjo da época, a Brigitte Bardot. O que foi uma decepção pra eles. O show, não, a Brigitte, que não estava em Paris.
O show, convenhamos, foi normal. Só que o som falhou trocentas vezes e cogitou-se até em sabotagem, já que os habitantes locais não gostavam muito de estrangeiros, imagine dos ingleses, devido a desavenças no passado, como a tal Guerra de Cem Anos que durou muito mais e fizeram churrasco da ídola-maior Joana.
No hotel, onde pediram pra instalar um piano, era o local onde poderiam pensar melhor para um novo disco. Já tinham conquistado a Inglaterra, malemal França e qual seria o próximo passo?
A América.
Foi sugestão do americano Roy Orbison, que foi pra Londres fazer alguns shows e encontrou-se com os quatro de Liverpool. Os quatro ficaram meio receosos, porque Cliff Richard foi pra lá e deu-se mal, vamos dizer, nunca mais fez sucesso como antes de ir pra América. Orbison ainda deu uma força, dizendo que não é bem por aí e que se forem, eles teriam a chance de dar certo. Ou errado.
Os quatro eram desconhecidos na América. Antes disso, George foi pra lá visitar a irmã e nem foi reconhecido. Imagine, ir pra América, onde Elvis faz sucesso, o povo em luto devido a morte de Kennedy e ainda por coincidência os quatro lançaram seu segundo álbum no mesmo dia que o Presidente morreu, aí que as chances de dar errado eram grandes. E no show do Ed Sullivan, que cortou a imagem do Elvis da cintura pra baixo? Imagine o que faria com quatro rapazes, de sotaque de Liverpool e cabelo cuia!
Seja lá o que Deus quiser, a bordo da British Airways, com malas, guitarras, bateria e muita coragem.
A recepção foi calorosa, pero no mucho, afinal como dissemos, o povo ainda está abalado com a morte trágica do Presidente. Mas na sala de imprensa do aeroporto... o nervosismo era tanto que só contando piadas pra tirar essa tensão. Com essas piadas, viraram notícia de costa a costa. Ora, o povo precisava um pouco de alegria, depois de tudo o que aconteceu e ainda num inverno de rachar pedra.
Os passeios no Central Park foram tranquilos. Até demais. Uma pena que o George não pode passear por causa de uma gripe e se saísse, nem ele saberia se estaria com forças pra tocar guitarra. Haja aspirina!
Estudio CBS pro show do Ed Sullivan. Público lotado e algumas apresentações depois, de outros artistas. E os quatro de Liverpool pra lá de nervosos. Tudo bem, já se apresentaram pra tevê inglesa, mas não era a mesma coisa. Imagine, rede nacional de ponta-a-ponta.
Final do saldo: todo mundo grudado na TV, índice de criminalidade zero. E os quatro de Liverpool cumpriram sua parte: apresentaram-se na TV americana, ganharam a simpatia deles, e depois nunca mais tiveram sossego: por onde andavam, o povo queria uma lembrancinha deles, seja um autógrafo até pedaço de roupas...
Lógico que a historinha foi inventada, mas a parte do show do Ed Sullivan foi verdade, conforme a seguir.



Mas bem que no vôo de volta pra Londres, teria saído o seguinte....

John: - Tava um frio de rachar, isso sim! Ainda bem o estúdio estava quentinho.
Paul: - Será que o pessoal percebeu a nossa desafinação?
George: - Não sei... Ainda bem que você cobriu minha voz gripada no backing vocal... atchiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim!
Ringo: - Saúde, mas da próxima vez, além de marcar show pro verão, vamos renovar nosso repertório de piadas! A da galinha que atravessa a rua já está muito batida.

Escrita originalmente em 9 de fevereiro, data em que os Beatles apareceram pela segunda vez em um programa de TV americano. Dizem que a primeira vez, foi em videotape no Jack Parr Show...

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