Eu, um carro e os postes no meio da rua, a vida continua...

Uns bons anos atrás, eu cheguei a fazer algumas postagens sobre minha vida em quatro rodas aqui no Japão. Se perguntarem para mim se tem alguma diferença dirigir aqui, ou se seria igual no Brasil, duas coisas tenho que dizer: atenção triplicada - você, os outros e as bicicletas; e o fato do lado ser inverso ao do Brasil (aqui, dirigimos do lado direito, como na Inglaterra).

Por motivos de força maior, oito anos atrás tivemos que nos desfazer do carro e usar muito os transportes coletivos. Se bem que, mesmo tendo carro, para irmos trabalhar dependíamos de transporte coletivo do mesmo jeito. Mas quando digo que fizemos (e fazemos até hoje) uso de trem e/ou ônibus para fazermos diversas atividades, aqui pelo menos temos uma grande vantagem, que esse sistema funciona muito bem até demais da conta.

Depois de quase sete anos sem saber o que era pegar um volante e sair guiando, voltei a dirigir. Via de regra, quando a gente volta a dirigir depois de muito tempo, pegamos aquelas ruas desertas para ver se não perdeu a noção, certo? Bem, no meu caso nem foi desse jeito - fui logo pegando uma via expressa (motivo: o carro pertencia a uma amiga minha que mora numa província vizinha. E como eu tinha que ir buscar, e sozinha, não tive outra alternativa a não ser pegar o carro e voltar para casa na expressa usando o lado auxiliar da pista, o que resultou em três horas e meia de viagem num percurso que normalmente dizem que fazem em duas).

Daí que eu lembrei o que um colega de trabalho comentou que "o problema de dirigir nesta província, é que o pessoal daqui é muito doido", ou seja, se a gente já tinha que tomar cuidado para não passar o resto da vida pagando seguro pros outros...

Em quase vinte anos com habilitação aqui (mas acho que, se contar os anos que realmente peguei no volante, aí seriam outros quinhentos), mesmo sendo navigator ou passageiro ou até mesmo usando transporte coletivo, fica impossível notar muitos detalhes no percurso...

Os postes no meio da rua: Nem precisa morar duzentos anos aqui para perceber que em boa parte das ruas (especialmente as que ficam em bairro residencial), os postes ficam literalmente no meio da rua. Ou para dar espaço para passagem de pedestres (especialmente as crianças que vão em fila para a escola) ou ciclistas. A rua já é estreita, fica mais ainda com os postes e até hoje tento entender como a rua consegue ser de duas vias (e olha que eu pego esse tipo de rua todo santo dia para ir trabalhar).

Cuidado! Ciclistas! Nem posso reclamar muito deles porque também sou e faço muito uso de bicicleta na cidade onde moro. Mas tenho que confessar que muito ciclista aqui abusa e muito. Passa "voando" do teu lado, corta a tua frente, fica no meio da rua atravancando o trânsito. E nem falo de gente de idade (outro tópico). E se ele passa na tua frente e você é obrigado a apertar fundo tanto o freio como a buzina (algo que raramente se usa aqui) como sinal de alerta, o ciclista ainda xinga. Isso quando não têm alguns que aparecem do nada no cruzamento e a preferencial nem era pra ele (aqui, os ciclistas têm que respeitar a sinalização de trânsito como os veículos).

Para além da terceira idade... Outra parte que também nem posso contestar muito porque logo chego lá, mas se eu chegar lá, não quero me tornar aquela categoria da terceira idade que fica chato pra caramba e só falta tacar o guarda-chuva na sua cabeça. Não é de hoje que os idosos daqui, quando dirigem, temos que ter uma paciência enorme se estão na sua frente. Mas temos que tomar mais cuidado ainda porque ultimamente a maioria dos acidentes (do tipo, entrou com o carro em uma loja) são provocados por gente acima dos 70 anos. É um caso muito a se pensar no quesito gente que passou dos 60 anos por aqui: não querem ser um fardo para a família e preferem fazer tudo sozinhos.

Fase escolar: Toda vez que vejo uma fila de crianças indo para a escola, eu chego a manter uma boa distância lateral, porque criança é imprevisível, da mesma forma que criança começando a andar e as mães são distraídas ou nem consegue acompanhar a velocidade do pequeno. Ainda mais se você dirige num bairro residencial para cortar caminho para não pegar trânsito - as crianças brincam no meio da rua sem se preocupar com nada. É, quem tem que se preocupar é quem dirige mesmo.

Mas confesso que os estudantes do ginasial pra cima são os mais abusados, do tipo, não têm noção do perigo. Bem, acho que eles têm mas querem brincar com a vida, só pode. Em partes eles fazem parte dos ciclistas que cortam a tua frente e aparecem do nada.

Gente/veículo que aparece do nada: Nem tanto nos cruzamentos, mas quando a gente está parado no trânsito e de repente aparece um carro cortando no meio do movimento. Principalmente se eles vêm de uma rua aleatória onde passa meio carro. E o pessoal aqui parece que só olha de um lado, esquece do outro onde a probabilidade de aparecer um carro do nada é grande. Nem precisa dizer o resto, né? Depois recebe uma buzinada (e pode vir alguns xingamentos de bônus, mas os japoneses raramente xingam na cara dura no trânsito).

Gente que fecha o cruzamento: Quer deixar alguém nervoso ao ponto de baixar o vidro do carro e dar uns berros, no caso eu? Experimenta fechar o cruzamento ou a entrada/saída de algum lugar que você quer entrar/sair. Uns dias atrás aconteceu comigo, quando eu estava voltando de Nagoya e resolvi parar num fast-food no meio do caminho. O estabelecimento já fica numa rua estreita e uma entrada que de um lado é pro drive-thru e outro para estacionar, uma mulher (de nacionalidade que nem vou mencionar, ou vão me chamar de preconceituosa) entrou no sentido contrário e travou a entrada. E eu, não querendo fazer fila dupla, baixei o vidro do carro e gritei para a indivídua para dar a ré que eu queria entrar no estacionamento, e o que me acontece? A mulher fechou ainda mais a entrada e ainda ignorou o que falei. Gente assim que acaba com a classe feminina motorizada, vou te falar...

Perseguição: De uns tempos para cá, estão ocorrendo muitos casos de "aori unten" (あおり運転), que seria o carro que está na tua frente ficar te impedindo de ultrapassar, ou que está na sua traseira ficar buzinando, tacando luz alta (em plena luz do dia) e quando te ultrapassa, fica reduzindo a velocidade sem motivo aparente, e, em casos extremos, chega a parar o carro na tua frente e ir te ameaçar. Nesses casos, nem tente sair do carro para tentar se defender, ou pode resultar em algo trágico. Trave tudo e filme, vai servir como prova para a polícia. Quem acompanha noticiário, deve saber sobre um caso que aconteceu na rodovia expressa Tomei. Por isso que a maioria dos veículos já estão com o drive recorder instalado, e algumas companhias de seguros estão incluindo o seguro para "aori unten".

Bem, tirando o "aori unten", o resto eu enfrento esses, er, contratempos todo santo dia. Por mais que pessoas digam "ah, mas eu sou bom motorista no Brasil", meus caros, no Exterior, tudo muda. E aqui, por exemplo, pra levar multa, é um pulo, e nem tem como ter desculpa. Tem que pagar em sete dias, quando renovar a habilitação, tem que assistir uma hora de vídeo sobre segurança... Por isso, melhor manter a habilitação em dia, o carro com os documentos, vistoria e seguro idem. Nunca se sabe o que pode acontecer.

Apesar dos postes no meio da rua, as ruas estreitas, gente lesada, eu ainda continuo dirigindo. Tem gente que pra criticar é um pulo, mas vá morar numa cidade onde tudo é longe, transporte coletivo é raro e ainda fazer supermercado em duas rodas. E olha que tive que fazer compras de bicicleta e imaginem carregar tudo (e nem pra entregar em casa). Carro facilita? Se souber fazer bom uso dele...

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