[Beatles e Japão] Influência no J-Pop com os Group Sounds


Bem, quem me conhece, sabe que sou fã dos Beatles desde o ginasial. E claro, tenho vários livros sobre a carreira deles. Mas, o que sempre me chamou a atenção, é o fato que a maioria deles menciona muito pouco sobre a turnê japonesa de 1966. E quando eu falo que é muito pouco, não estou exagerando. Certo que até mesmo os próprios comentaram em muitas entrevistas (inclusive no recomendado "Anthology") que a turnê asiática de 1966 já foi problemática, mas pra resumir num parágrafo que foi um desastre, olha...

Mas teve gente que recomendava ouvir o bootleg "Five Nights at Judo Arena 1966" porque a qualidade do som era melhor que os demais.

Quando vim parar aqui, uma das coisas que eu resolvi pesquisar nas livrarias e bibliotecas sobre a influência dos Beatles no mundo j-pop, pois alguns programas de TV que assistia, especialmente musicais dos anos 60, colocavam o quarteto de Liverpool no meio. E nas livrarias, o que tem de livro sobre o assunto, pega pares de prateleira numa estante. Na Tower Records de Shibuya, então... Fora homenagens e menções (e paródias) sobre o quarteto.

Sobre a influência da música dos Beatles no mundo j-pop atual, temos que voltar bem no tempo, mais precisamente, sim, nos anos 60. Embora no início da década já tinham os precursores do electric guitar (ou "ereki"), como Takeshi Terauchi e Yuzo Kayama, que faziam uso da guitarra elétrica, influenciados por artistas como Dick Dale e a banda The Ventures (cujo estilo era mais voltado ao instrumental e surf music), o rock and roll ainda estava bem devagar. Até o meio da década de 60, era uma mistura de kayoukyoku (o pop tradicional japonês) com ritmos do Ocidente. Mesmo porque, o kayoukyoku não fazia muito uso de palavras estrangeiras como ocorre no j-pop de hoje.


O auge mesmo no Japão foi em meados de 1965, quando a jornalista Rumiko Hoshika, da revista Music Life foi para Londres e conseguiu entrevistar os Beatles em uma matéria exclusiva. Em 1966, quando o quarteto de Liverpool chegou em Tóquio, foi ela quem serviu de guia durante a estadia.

Depois que os Beatles fizeram cinco dias de show no Budokan, a música japonesa nunca mais foi a mesma. Muitas bandas que tocavam em kissaten (casa de chá que tinha música ao vivo), acabaram deixando o cabelo crescer, aprenderam a tocar guitarra e montaram bandas com mais de cinco membros. Durante 1966 a 1969, que foi o boom dos Group Sounds, chegaram a ter quase 100 bandas do gênero, nem que fosse banda de uma música só.

Se bem que, nos Estados Unidos e na Europa, durante os anos 60, especialmente entre 1964 a 1969, o que tinha de banda que teve curtíssima duração, perde-se a conta (e olha que existem muitos livros sobre o assunto tanto nos EUA e Europa como no Japão).

Até a banda Kanjani Eito entrou na onda GS com "Yellow Pansy Street"

Os Group Sounds, ou simplesmente GS, eram bandas formadas por colegas de colegial ou faculdade. No que começaram tocando nos kissaten para garantir diversão para os clientes (e alguns trocados a mais), acabaram por serem famosos (nem que fosse por alguns minutos de glória), tocando em teatros e até em programas de TV, mesmo contrariando o lado conservador.

Algumas bandas de GS foram barradas em se apresentar em emissoras de TV, como a NHK, por exemplo (dizem que na época, uma das poucas bandas GS a se apresentar na emissora era o Jackie Yoshikawa and The Blue Comets por causa do visual "limpo"), mas outras emissoras como Fuji TV e NTV aceitavam essas bandas, mesmo porque a NTV foi quem também transmitiu o concerto dos Beatles no Budokan ao vivo.

Mesmo com o "fim" do movimento (um dos mais memoráveis foi o concerto de despedida da banda mais conhecida da época, o The Tigers, em 1971), muitas músicas ainda são lembradas nos dias atuais, embora sejam aparições em programas de flashbacks e alguns eventos aleatórios, mas todos sabem que essas músicas foram o que acabou se tornando o j-pop de hoje.

Alguns exemplos para que as pessoas que não conhecem direito as bandas e artistas, irem dar uma procurada. Pode ser que as músicas soem datadas ou estranhas demais, mas lembrando que nos anos 60, tudo era novidade.

Atualmente, alguns membros das bandas GS continuaram com a carreira musical, mas outros resolveram ingressar na atuação. Mas boa parte deles acabaram sumindo no meio artístico e tornaram-se pessoas comuns na sociedade. Vez ou outra acabam aparecendo devido a alguns programas de variedades.

Jackie Yoshikawa and His Blue Comets: Uma das bandas GS mais antigas e ainda está em atividade, mesmo com alguns membros itinerantes. A formação mais conhecida era Jackie Yoshikawa (bateria), Kenji Takahashi (baixo), Tsunaki Mihara (guitarra), Tadao Inoue (depois ficou conhecido como Daisuke Inoue; flauta, sax e vocais até 1972) e Hiroyoshi Oda (teclados e vocais). Formado em 1957, a banda começou a tocar em kissaten. A banda ficou conhecida ao servirem de apoio para a dupla de irmãs The Peanuts, no 16o. Kouhaku Utagassen (1965). Por possuirem um visual que mais lembravam os salarymen, ou seja, de terno e corte de cabelo curto, a banda destoava dos demais group sounds na época, e ainda tornaram-se uma das poucas bandas a participarem três anos consecutivos no Kouhaku Utagassen, e a segunda banda japonesa a se apresentar no famoso programa norte-americano "The Ed Sullivan Show" (a primeira foi The Peanuts).

Em 1967, logo depois de terem lançado "Blue Chateau", que tornou-se um dos singles mais vendidos naquele ano, Inoue compôs "Makkana Taiyou" para a cantora Hibari Misora (até então era conhecida como a maior cantora de enka. E era a primeira vez que ela interpretava uma música do estilo dos group sounds, e o single também foi um dos mais vendidos nos anos 60).

Em 1972, com a saída de Inoue, o grupo ficou quase em hiato, com alguns singles com outros músicos, mas desde 2002 voltaram às atividades com a formação quase original (Inoue faleceu dois anos antes), e aparecendo em programas especiais.


The Spiders: A banda surgiu em 1961 e durou até 1970. Era formado por oito membros - Shochi Tanabe (líder e baterista), Mitsuru Kato (baixo), Hiroshi "Monsieur" Kamayatsu (guitarra), Katsuo Ono (órgão e steel guitar), Takayuki Inoue (guitarra), Masaaki Sakai (tamborim e vocal), Jun Inoue (tamborim e vocal) e Tomio Maeda (bateria). O estilo musical da banda era mais inspirado no British rock, especialmente Beatles e Rolling Stones. O diferencial era que o grupo tinha um toque cômico, principalmente Inoue, Kamayatsu e Sakai, que aí tinha maior acessibilidade nos shows. O nome da banda foi sugestão do pai de Kamayatsu, que era músico de jazz - "espalhe pelo mundo como se fosse uma teia de aranha".

Nos anos 60, a banda chegou a tocar junto com outras bandas britânicas que excursionavam no Japão, como Peter and Gordon, e The Animals, e bandas norte-americanas como The Ventures, Astronauts e Beach Boys. Excursionaram na Europa, e foram uma das primeiras bandas japonesas a usarem equipamentos "de fora", como amplificadores VOX (o mesmo que os Beatles usavam). O auge do grupo foi durante 1964 a 1967, quando participaram em vários programas musicais e filmes.

Depois do fim do grupo, pelo menos quatro membros ficaram conhecidos na mídia:

- Tanabe tornou-se presidente do Japan Association of Music Enterprises (JAME) e da agência Tanabe.
- Sakai seguiu carreira solo, sendo que um de seus maiores sucessos foi "Saraba Koibito" (1971), foi seis anos consecutivos participante no Kouhaku Utagassen (1971 a 1976) e representante do time branco 3 vezes (1991 a 1993), e ficou conhecido no Exterior devido ao seu papel principal na primeira versão seriada de "Saiyuuki" (1978 a 1980). Comandou por 22 anos o programa culinário "Chubaw desuyo". Recentemente é um dos MCs do programa "Sekaiichi Uketai Juugyo" (NTV).
- Takayuki Inoue chegou a fazer parte de um trio no fim dos anos 90, com Sakai e Kamayatsu, chamado Sans Filtre, e apresentaram-se no 50o. Kouhaku Utagassen (1999). Faleceu em maio de 2018.
- Jun Inoue tornou-se ator, um de seus últimos trabalhos foi no dorama  "Maison de Police" (TBS).
- Hiroshi Kamayatsu, mais conhecido como Monsieur Kamayatsu, seguiu carreira como músico e compositor depois do término do The Spiders. Seu pai era músico de jazz. Hiroshi era primo direto da cantora Ryoko Moriyama (a mãe de Hiroshi era irmã da mãe de Ryoko). Sua marca registrada nos anos 70 até sua morte, era o cabelo longo (era fã do cantor Rod Stewart, aí deixou o corte de cabelo quase parecido) e o gorro de lã. Faleceu em março de 2017 de câncer, um mês depois de sua esposa.


The Tempters: Nos anos 60 a banda rivalizava com The Tigers, com seu visual mais agressivo, embora um de seus maiores sucessos foi "Emerald no Densetsu" (1968), que era mais voltada a baladas. A banda, formada em 1966 em Saitama, tinha os membros Yoshiharu Matsuzaki (guitarra), Kenichi Hagiwara (vocal), Toshio Tanaka (guitarra e teclados), Noboru Takaku (baixo) e Hiroshi Oguchi (bateria).

O grupo acabou em 1970, mas no ano seguinte, Hagiwara e Sawada formaram um supergrupo com os demais ex-membros de outras bandas GS (Katsuo Ohno e Takayuki Inoue, que eram do Spiders; Ittoku Kishibe, que era do Tigers; e Hiroshi Oguchi, que era do Tempters) , que se chamou PYG, mas teve curtíssima duração (um ano).

Dois ex-membros ficaram conhecidos como atores. Oguchi, que havia participado em filmes como "Nihon Chinbotsu" ("O Japão Afunda", versão de 2006), faleceu em janeiro de 2009 de câncer de fígado. Kenichi Hagiwara (seu nome verdadeiro era Keizou, por isso seu apelido na época dos Tempters era "Sho-ken"), dedicou-se mais na atuação (apesar de lançar alguns singles esporádicos). Seus trabalhos como ator destacavam-se em "TAJOMARU" (2009) e no taiga dorama "Idaten", cuja participação foi interrompida com seu falecimento, em março de 2019 de câncer gastrointestinal (que vinha se tratando desde 2011, mas nunca tinha revelado a ninguém).


The Tigers: Formado em 1967, a banda era conhecida como The Funnies, mas mudou de nome quando foram agenciados pela Watanabe Pro., por sugestão do vocalista Kenji Sawada, já que o grupo todo era de Kyoto e o time da região de Kansai era o Hanshin Tigers.

Embora muitos grupos da época tinham sido influenciados pelos Beatles, inclusive os Tigers quando eram ainda Sally and the Playboys, o grupo acabou sendo influenciado pela banda britânica Rolling Stones. Outro detalhe do grupo era que os membros eram conhecidos pelos apelidos do que pelos nomes reais - Kenji Sawada era Julie (porque era fã da cantora e atriz Julie Andrews); Shuzo Kishibe era Sally (por causa da música de Little Richard, "Long Tall Sally"); Katsumi Kahashi era Toppo (do personagem Topo Gigio, que fazia sucesso nos anos 60); Taro Morimoto era Taro; Minoru Hitomi era Pi (do boneco símbolo da Kewpie); e Jiro Kishibe era Jiro.

Por causa do estilo musical do Tigers, que era mais "selvagem" e "agressivo", muita gente gostava mas também teve gente que abominava. Tanto que a maioria dos group sounds foi barrada em se apresentar na NHK por "transgressão da moral e bons costumes". Apesar disso, o Tigers era uma banda que tinha ótimas músicas e a maioria fez sucesso, como "Boku no Mary", "Monalisa no Hohoemi" e "Hana no Kubikasari" (cujo vocais era de Kahashi, e não de Sawada, como nas demais músicas). Com a saída de Kahashi em 1969, após o lançamento de "Human Renascence", o grupo ainda se manteve com a entrada de Jiro Kishibe (irmão de Shuzo), mas terminou em 1971 com o concerto de despedida no Nippon Budokan - "The Tigers Beautiful Concert" - que foi transmitido ao vivo pela Fuji Television.

Após o término do grupo, foi formado um supergrupo com seis membros das outras bandas da época - Sawada e Shuzo Kishibe (The Tigers); Kenichi Hagiwara e Hiroshi Oguchi (The Tempters); Katsuo Ohno (The Spiders) e Yujin Harada (Mickey Curtis and Samurai). O grupo durou um ano (cinco singles e dois álbuns).

Do grupo, somente Kenji Sawada, Shuzo Kishibe (hoje como Ittoku Kishibe) e Jiro Kishibe se destacaram na mídia (Sawada continuou na música, ainda sendo conhecido como Julie; os irmãos Kishibe como atores - Ittoku continua na ativa atuando, a grande maioria em doramas; seu irmão Jiro atuava até 2011).

Reuniram-se mais três vezes (em 1981, mas sem Hitomi; em 1989 para o 40o. Kouhaku Utagassen; e em 2013), mas o legado já tinha deixado nos anos 60 como uma das bandas de group sounds mais conhecidas até hoje.

Curiosidade: A mãe de Juri Tanaka (membro do grupo SixTONES) era fã de Kenji Sawada, e se nascesse menina, batizaria de Juri (a família já tinha três meninos, entre eles Koki). Como nasceu outro menino, ficou assim mesmo.

Obviamente, existiram muito mais grupos influentes, como The Wild Ones, Village Singers, The Carnbeats, Golden Cups. E cantores e cantoras que tiveram influência do british rock mas adaptaram no estilo kayoukyoku, e, como mencionei no início, foi o que é o j-pop atualmente.

Imagens: google archives, barks.jp, music life, ameblo, weibo.

Fontes: music calendar, allmusic, wikipedia japan, barks jp.



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