Gostos e Opiniões

Umimachi Diary ou Our Little Sister - a arte de Koreeda em transformar um enredo familiar num filme bonito de se assistir (fora as paisagens, da cidade de Kamakura)

Que muitas vezes nem dá para compartilhar, porque aquele velho ditado - gosto é que nem b*nda, cada um tem a sua. 

Por mais que existam grupos e comunidades que possuem muita coisa em comum, sempre vai acabar dando barraco em alguma conversa aleatória. É normal discordar ou não gostar, senão todo mundo igual, o mundo iria ficar sem graça, mas também não vamos ser radicais ao ponto de armar barraco, tenda e tudo o mais.

Se o assunto for cinema e/ou dorama e/ou música, o circo pega fogo, ainda mais hoje em dia, que nem vou me aprofundar tanto assim para não dar mais dor-de-cabeça, mas muita gente deveria era se aprofundar nas culturas asiáticas, nos costumes, culinária, way-of-life, linguística...

Mas como muita gente não gosta dessas coisas (como eu gosto, ainda mais que moro quase a metade da minha vida no Japão, eu tenho que aprender muito mais), pessoal julga e tira conclusões apressadas, ao invés de pesquisar, de procurar saber mais a fundo. 

Nessas horas, agradeço meus professores do antigo ginasial e colegial que me fizeram por anos passar horas nas bibliotecas procurando sobre certos assuntos. É, década de 1980 internet nem era sonho nem pra quem tinha muita grana.

Voltando a vaca congelada.

Eu vou falar a verdade - ultimamente eu procuro ao máximo possível evitar de comentar em postagens alheias, por diversos motivos que já cansei de falar aqui. Aliás, eu sempre falo que eu também preciso diminuir minhas postagens negativas né. Enfim, eu não estou interagindo com as pessoas que gostam de doramas, por exemplo, porque existem opiniões que não coincidem com as minhas, bem, isso é esperado, mas muitas vezes a forma que se expressam (olha quem fala). Na hora, para mim, machuca, mas depois deixo pra lá, são opiniões alheias. Eu tenho as minhas.

Gostos e opiniões sempre vão dar discussão, não tem outro jeito. Mas ao menos tentar procurar saber porque não gostou ou porque gostou. Ou porque pensa dessa forma. É que nem comida, por exemplo. Eu não consigo comer soja fermentada aka natoo, nem tanto pelo visual (senão nunca comeria quiabo), mas pelo cheiro. Tentei comer, sim, mas não passou da primeira bocada porque o cheiro acabou com minha vontade de comer. Tem gente que gosta, muito bem. Mas tem gente que não consegue, seja pelo visual como pelo cheiro.

Da mesma forma o meu gosto pra lá de duvidoso de música e idols pop, de doramas e filmes, porque quem me conhece e me segue no Instagram, para um bom entendedor, nem precisa perguntar.

Recentemente, a comunidade dorameira novamente pegou fogo, sobre comentário de uma pessoa que estudou cinema e disse que os artistas japoneses não sabem atuar. Na verdade, eu gostaria de saber quem seria essa pessoa para a gente conversar, porque eu acho que a pessoa deve ter assistido um filme pra dar o pitaco. Acho que, se tivesse assistido diversos filmes, de diversos cineastas e diversas épocas, acredito que a opinião dela seria outra. Talvez nem 100% satisfeito, mas que ao menos conseguisse ver de outra forma, literalmente falando.

"Os Sete Samurais", uma das obras-primas de Akira Kurosawa que ganhou até um remake norte-americano, "Sete Homens e Um Destino".

Porque cinema japonês não se resume àqueles de "época de samurai" ou "de guerra", ou "de yakuza", mesmo porque um dos filmes de Akira Kurosawa - "Os Sete Samurais" - serviu de inspiração (pra não dizer remake norte-americano) para "Sete Homens e Um Destino". Ou outro filme de Kurosawa - "Ran", de 1985" - que foi inspirado na peça teatral de William Shakespeare, "Rei Lear".

Quem assiste muitos filmes de diversos cineastas, percebe o estilo de cada um deles. Desde aqueles que fazem obras-primas, até aqueles que investem do v-cinema (aqueles de baixo orçamento e violência gratuita) ou pink movie (um eufemismo nos anos 70 para filmes eróticos e pornográficos).

Os estilos de Kurosawa, Nagisa Oshima, Yasujiro Ozu entre muitos nos anos 50~ em diante, foram inspiração para outros cineastas, mas cada um encontrou seu estilo, inclusive em animação, como Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Satoshi Kon, Hideaki Anno e Makoto Shinkai, por exemplo.

"Soshite Chichi ni Naru" ou "Like Father Like Son", novamente Koreeda abordando temas familiares, desta vez sobre troca de filhos na maternidade e os efeitos causados em ambas as famílias.

Um dos mais conhecidos da atualidade, Hirokazu Koreeda, ele já pega temas humanos e aprofunda essa relação entre famílias, como "Umimachi Diary" (ou "Our Little Sister"), "Nobody Knows" (que ganhou a Palma de Ouro em Cannes de melhor ator para Yuya Yagira) "Soshite, Chichi ni Naru" (vencedor do Festival Internacional de Cinema em São Paulo, e de Júri em Cannes), "The Third Murder", "Shoplifters" e o recente "Monster".

"Mogura no Uta" ou "The Mole Song", a trilogia baseada no mangá do mesmo nome e dirigido por Takashi Miike. Humor de caráter duvidoso, violência gratuita, briga de gangues, romance e até chamada de comercial de produtos de limpeza! 

Já o Takashi Miike, procura fazer o tema mais sombrio e mais violento também. Alguns com uma dose de humor, só que pesado. E alguns filmes sofreram cortes quando exibidos no exterior, como "Ichi the Killer", por exemplo. A trilogia "Mogura no Uta" e o dorama "Keibuho Daimajin" (ambos protagonizados por Toma Ikuta) foram dirigidos por Miike. O filme mais recente de Miike é "Lumberjack the Monster", protagonizado por Kazuya Kamenashi.

"Haha to Kuraseba" ou "Nagasaki: Memories of my Son", dirigido por Yoji Yamada em 2015, aborda o relacionamento de mãe e filho após o bombardeio em Nagasaki. O filme rendeu dois prêmios principais no Nihon Academy de 2016 - melhor ator para Kazunari Ninomiya e melhor atriz coadjuvante para Haru Kuroki.

Yoji Yamada, que mesmo com 92 anos, continua dirigindo. Seus filmes são mais a temática do cotidiano, como a famosa série "Otoko wa Tsurai yo" (ou "Tora-san"), mas de visão mais humana com humor. Outros filmes que mostram o lado humano de uma família mesmo nos momentos difíceis seriam a série "Kazoku wa Tsurai yo", e os filmes "Haha to Kuraseba", "Cinema no Kamisama" e "Kon'nichuwa Kaasan".

Não tenho como listar todos como eu gostaria, mas pessoas que se interessam em cinema japonês, procurem assistir filmes de diversos cineastas, de diversos temas, e diversas épocas. Não é porque assistiu um filme de temática yakuza (um dos mais famosos é "Hana-Bi", de Takeshi Kitano, que também tem o lado humano da história), que todos os filmes japoneses vão ter essa temática. 

Fora questões culturais, de costumes. Cada país tem a sua cultura, isso é vero. 

Se a pessoa que comentou sobre artistas japoneses não saberem interpretar, a gente gostaria era de sentar e conversar o porquê de ter essa opinião, se chegou a assistir diversos filmes, de diversas épocas, de diversos cineastas além dos mencionados aqui. Ou só assistiu um no aleatório e tirou essa conclusão. 

Sinceramente, a gente que assiste filme e dorama direto, não precisamos ser especialistas nem experts no assunto para entender a mensagem que quer passar, que a gente tem que saber pensar para chegarmos a um ponto em comum, entender as metáforas (confesso que comigo, eu consigo entender depois da segunda vez que assisto, isso pra qualquer filme), as diferenças de cada estilo de diretor, de enredo, de atuação. É um assunto complexo, sim, tanto que eu tenho um amigo que é formado em Cinema no Brasil, fez especialização aqui no Japão, chegando a conhecer diversos cineastas, inclusive o citado Yoji Yamada.

"Drive My Car", filme dirigido por Ryusuke Hamaguchi, foi baseado em uma das histórias do livro "Homens sem Mulheres" de Haruki Murakami. Além de ter ganho o prêmio ecumênico em Cannes, e outros prêmios, ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2022.

Mas isso não vale para o cinema japonês, não. Qualquer filme estrangeiro, tem suas nuances e características. Quando eu ainda estava no Brasil, tinha um programa na TV Cultura que apresentava diversas curta-metragens de animação de diversos países, daí a gente sentia a diferença de cada país, de cada animação. 

Agora, se a pessoa prefere generalizar, tudo bem. Quando ingressar no mercado de trabalho e descobrir, vai ser um processo dolorido, a não ser que goste de sofrer, isso seria outra história. Mas também existe a questão de mentalidade de cada um, e infelizmente, isso é verdade.

Sim, o assunto desta postagem era sobre opiniões e gostos sobre filmes e doramas japoneses, mas peguei mais a parte de cinema mesmo.

Imagens: BLT Web (Umimachi Diary), American Chronicle (Os Sete Samurais), eiga.com (Soshite Chichi ni Naru, Mogura no Uta, Haha to Kuraseba), Bitters End (Drive My Car).

Esta postagem está no blog Nanimono.

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